quarta-feira, 16 de junho de 2010

um desenho sobre ninguém

ônibus meio vazio, plena chuva, uma senhora sentou do meu lado, puxou uma folha e um lápis e começou a rabiscar algo. desenhou um rosto, o cabelo liso, um cachecol no pescoço. pensei estranhamente que podia ser eu, ali do lado dela, de cachecol e de cabelo liso. foi desenhando, assim, devagar, alguém sentado, sem boca nem nariz nem olhos. não sei se era pra mim, mas me deu um frio na espinha, algo meio mágico, meio estranho, meio bom; parecia tão irreal, sabe. alguém me desenhando em plena chuva. me deu vontade de sair por aí nos ônibus, puxar um lápis e um papel e desenhar quem tá do lado. não costumo desenhar, mas me deu muita vontade de passar essa coisa boa que eu senti pros outros, pra eles também se sentirem assim, mais vivos. preferi acreditar que sim, era eu.
e era uma cabeça sem rosto, na realidade. como a tatuagem de uma fada que levo nas costas - passa uma expressão serena, que eu gosto. como os " O.O " que costumo desenhar no caderno nos momentos de ansiedade. meio assim, vazio.
a questão é: parecia que o fato de ela estar me desenhando, de estar delimitando minhas linhas, embora bem genéricas, fosse um sinal. ou talvez uma afirmação de que eu existia. de que isso era real. de que valia a pena. de que a vida era tão linda como senhoras estranhas que sentam do nosso lado e nos desenham.
senti algo estranho, até sobrenatural, até besta e tudo, mas algo estranho e bom. um arrepio no corpo todo.
chego a pensar que sonhei. talvez tenha sim, sonhado, inventado, aumentado.
mas não faz diferença. que é a minha vida além da impressão de mim?

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